INOVAÇÃO - O papel vai sumir?

domingo, 7 de junho de 2009



KINDLE - Depois de mais de uma década de frustrações, os livros eletrônicos estão prontos para ganhar as massas. Mas os livros tradicionais, acredite, não vão desaparecer.

Estudantes da Universidade Princeton imprimiram 50 milhões de folhas de papel no ano passado. Boa parte desse material foi utilizada para reproduzir textos de jornais e revistas que existiam em formato digital. O custo foi calculado em 5 milhões de dólares. A montanha de folhas consumidas equivale à derrubada de cerca de 5 000 árvores. Depois de fazer as contas, a universidade americana decidiu testar o leitor digital Kindle, lançado pela varejista Amazon. "Os alunos hoje são usuários intensos de tecnologia, por que não trazer essa experiência para a universidade?", pergunta Serge Goldstein, diretor do projeto. Princeton foi uma das três instituições de ensino do país que decidiram apostar nos livros eletrônicos em substituição ao tradicional material escolar. Ao menos nos Estados Unidos, já não é motivo de estranhamento encontrar alguém num parque ou num vagão de metrô com os olhos grudados na tela de um pequeno aparelhinho de plástico. Depois de inúmeras tentativas fracassadas, por problemas no hardware e pela falta de títulos, os livros eletrônicos finalmente estão prontos para decolar. A Amazon e seu Kindle roubaram os holofotes da mídia mundial nas últimas semanas, mas seu concorrente Reader Digital Book, produzido pela japonesa Sony, também representa uma alternativa para aqueles que vislumbram um futuro de leituras em telas. As editoras lançam cada vez mais versões eletrônicas de seus títulos. Para quem está acostumado a ler jornais e revistas na tela de computadores e celulares, a ideia de um leitor digital especializado é um passo natural. Estaremos, enfim, prontos para contemplar o fim do papel?



A pergunta é inevitável, assim como o são os paralelos com a indústria da música, que assiste à morte do suporte físico para suas obras e ao nascimento de um novo mercado baseado na venda de arquivos digitais. Poucos duvidavam que cedo ou tarde o MP3 viesse a superar a distribuição física de CDs - afinal, a comodidade de comprar músicas pela rede e o catálogo virtualmente infinito disponível numa loja online são duas vantagens incomparáveis da digitalização. Apesar disso, foi somente com a introdução do tocador iPod e da loja virtual iTunes que as gravadoras finalmente decidiram abraçar a internet para valer. No mercado editorial, um movimento semelhante está acontecendo. O lançamento do Kindle, em novembro de 2007, foi um evento importante - mas o dado essencial foi o nome da empresa por trás do aparelho. A Amazon, uma das maiores vendedoras de livros do mundo, rapidamente conseguiu convencer as editoras a criar versões eletrônicas de seus títulos. Em apenas um ano e meio, a empresa já lançou duas novas versões do aparelho, vendeu 700 000 unidades do Kindle e tem em estoque - ou melhor, em seus servidores - mais de 200 000 livros em versão digital. Como no caso da Apple, o sucesso é um misto de conveniência e experiência. O Kindle tem uma conexão sem fio usando a rede de uma operadora celular. É possível comprar livros na maior parte dos Estados Unidos pelo próprio aparelho com alguns cliques, sem nem sequer chegar perto de um PC. O pagamento é debitado do cartão de crédito, e o download do livro dura mais ou menos 1 minuto. Mas de nada adiantaria ter um sistema sofisticado como esse se a leitura na tela não fosse comparável à de uma página. Aí entra em cena uma inovação crucial desenvolvida nos laboratórios do Massachusetts Institute of Technology, que deu origem à empresa E-Ink. O nome faz referência à tinta eletrônica, e não é um exagero. A tela da E-Ink virou padrão nos livros eletrônicos pois não tem iluminação traseira (como a de telefones celulares), o que não causa cansaço nos olhos e permite que a bateria dure semanas sem necessidade de recarga. É por esse motivo que o Kindle, hoje, é o ícone da revolução digital na leitura - e um negócio que deve gerar, até 2010, 1,2 bilhão de dólares à Amazon, segundo o Citigroup.

(O Kindle e os livros por download são vendidos apenas nos Estados Unidos, e não há previsão de lançamento em outros mercados.)

Os e-books despertam questões óbvias sobre o futuro do negócio de editoras, livrarias e autores. O mercado editorial global movimenta cerca de 400 bilhões de dólares, segundo a consultoria irlandesa Research and Markets, e a distribuição eletrônica promete alterar radicalmente o jogo de forças atual. Uma estimativa sugere que, quando existem versões eletrônicas disponíveis para um determinado título, cerca de um terço das vendas é de downloads. Em março, a rede de livrarias americana Barnes & Noble anunciou a compra, por 15,7 milhões de dólares, da empresa Fictionwise, especializada na venda de livros eletrônicos. Outra grande varejista do país, a Borders ampliou o serviço de venda de downloads para os consumidores do Reino Unido. "Do ponto de vista da distribuição, os livros digitais são um progresso indiscutível e um estímulo à leitura, pela facilidade e rapidez com que chegam ao leitor", diz o escritor gaúcho Moacyr Scliar, que tem versões eletrônicas de suas obras à venda na Amazon.



Para as editoras, porém, não é tão simples. Embora os sistemas de vendas das grandes redes tenham sofisticados recursos anticópia, a proliferação dos leitores pode representar um estímulo ao uso das cópias piratas que circulam nas redes de trocas de arquivo. Isso porque a maioria dos aparelhos é capaz de exibir documentos em formatos amplamente difundidos - e com pouca preocupação de segurança -, como o PDF. "Os prejuízos com a pirataria podem ser mais graves para a indústria editorial do que para a indústria da música", diz Roberto Feith, presidente da editora Objetiva. "E existe outro ponto importante: os artistas podem viver de shows, mas os escritores não têm uma fonte alternativa de receita." Outro ponto fundamental é que, com o fim da distribuição e do suporte físicos, teoricamente autores iniciantes poderiam simplesmente abrir mão das editoras, publicando por conta própria, com o auxílio de pequenas editoras - ou, por que não?, contando com a ajuda de um distribuidor digital como a Amazon. A ideia de ler em telas é antiga, e as primeiras tentativas de criar um livro eletrônico já têm mais dez anos. Agora, ao que tudo indica, os principais obstáculos tecnológicos foram superados - e os negócios vão se adaptar à nova realidade, haja vista a indústria da música. O grupo editorial americano Hearst, que publica periódicos como Cosmopolitan e Esquire, promete lançar, ainda sem data prevista, um aparelho flexível e colorido, com tamanho de revista e conexão sem fio à internet, para emular a experiência visual de uma revista. Mas decretar a morte do papel é uma história muito diferente. Nos últimos dez anos, com a popularização da web e particularmente do e-mail, o consumo de papel aumentou 40% nos Estados Unidos. "O consumidor é multicanal, o leitor digital pode ser versátil, mas vai conviver normalmente com o livro em papel", diz Sergio Herz, diretor de operações da Livraria Cultura. "O livro em papel é cheiro, é tato, tem componentes lúdicos que não podem ser substituídos." É bom ressaltar que não se trata de uma opinião de um ludita, pelo contrário: a Cultura ofereceu durante três anos aproximadamente 1 000 títulos para downloads, mas interrompeu a prática em 2007 diante das baixas vendas e da falta de um suporte adequado para a leitura. Agora, os livros eletrônicos viraram realidade - mas isso não quer dizer que o papel vai tornar-se obsoleto.

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